Não digo todos os dias, mas quase, continuamos a
encontrar-nos na nossa Cultura. Evito dizer Universidade porque infelizmente
ainda há quem olhe de esguelha ou de soslaio para nós, talvez pela idade ou por admiração, com uma
exclamação interior :“como é possível?”
Mas vamos ao que interessa. Sempre conheci o Ambrósio como
aquela pessoa que, por exemplo, entendia que oito horas eram oito menos dez ou oito menos cinco.
Daí a minha exclamação e espanto, no bar da Cultura, quando tomávamos um
cafezinho.
-Sabes Anne, começou ele, aqui há uns anitos tive de ir a
Lisboa, aos mouros, e cheguei lá muito depois da hora. Tive que ligar para os
avisar do meu atraso, mas sem dar justificação.
-Não estou a conhecer-te. Falhares por falta de horário? É
novidade. Continua, disse eu.
-Quando acordei, olhei para o relógio e só tive tempo de tomar
um chuveiro (não me perguntes se me limpei ou não), pegar na mala que já
estava pronta e “zarpar”.
-Sempre o mesmo, tudo organizado com antecedência, mas
falhaste, para minha admiração, disse eu.
-Entrei por aquele aeroporto a correr e encontrei dois
funcionários no balcão do check-in que me viram a correr, tendo um deles ido embora. O que ficou, depois de eu lhe
mostrar o bilhete, olhou para mim e disse: “chegue aqui se faz favor”.
-Conseguiste - como dizíamos - “safar-te”?
- Qual quê, disse ele. A minha cara alegrou-se e, por
já não ver ninguém no aeroporto, pensei em abraçá-lo, como prova de
agradecimento. A minha face, não sei, mas
deve ter mudado de cor, aspecto, eu sei lá.
-Mas afinal foste ou não? Disseste que tinhas perdido o
avião, disse eu ainda.
-Não, não fui. Na parede do dito balcão, havia um quadro
tipo “naif” com um avião já no ar e um passageiro com a gravata de lado, talvez
efeito do vento, e a mala semiaberta com a roupa a sair, a correr atrás dele.
Sorri. - Até deve ser engraçado ver esse quadro, disse.
-Pois é engraçado, mas agora ouve: o funcionário olhou para
mim apontou o dito e as respectivas legendas e disse: foi o que lhe sucedeu a
si.
Fiquei de boca não digo aberta mas quase, a olhar para o
Ambrósio e fui interrompida com a pergunta.
-Sabes o que dizia a legenda?.
Eu disse: “Não deixe que lhe suceda o mesmo. Esteja sempre
no horário”. Sabes Anne, depois disto olhei para o lado, mas o funcionário que
me pareceu ser o meu salvador, deixou-me ali só, a fixando com raiva o dito
“naif”.
-E depois?
-Depois reservei no voo seguinte, que por acaso tinha
lugares, deduzo eu, para os trapalhões ou os preguiçosos, como eu. Fui até ao
café e, apesar das muitas voltas, dava sempre de “caras” com o dito esquema que
estava por trás do balcão.
-Mas ainda não me disseste porque perdeste o avião, se não
posso fazer juízos errados sobre ti, como já não sendo o que eras no
antigamente.
-Eu conto. Na véspera tive um jantar em casa de uns amigos e
distraí-me com as horas e talvez com o “alvarinho”. Não é meu costume, mas
calhou.
Rimo-nos muito e lá fomos para a aula de literatura (...)
Ambrósio