quarta-feira, 8 de junho de 2016

Eclosão


Adormeci no pensamento
Em letargia total
Crisálida encasulada,
Suspensa
Num sono  profundo, divino,
Como se nem o ar existisse
E a existência  o consentisse.
Afundei-me neste éter
De sonhos repetitivos
Que não consigo lembrar.
Em metamorfose fiquei,
Num corpo que não vivi
E desta longa latência
Em júbilo eu despertei,
Com poder para escolher,
Entre as asas de uma ninfa
E uns braços de mulher.

 Prímula Matinal
O Zé Maria e eu fomos criados com a minha avó. Eu, até aos sete anos e ele até aos treze. Depois do passamento toda a nossa vida se alterou e sem nos continuar a não faltar o essencial, as nossas vidas foram alteradas porque já não havia as saias da avó.
O que vou contar é mais ou menos verdadeiro.
Um dia, à hora de jantar, o meu irmão, depois de ter uma entrada livre, disse:
-Para o mês que vem começam as festas da queima das fitas, na Universidade.
-Sim? E depois?- disse lá do fundo o meu pai.
-É, gostava de ter uma capa e uma batina. Afinal já ando na Universidade e além disso quase todos já têm.
O trajecto da colher de sopa entre o prato e a minha boca ficou a meio caminho, depois de ouvir o Zé Maria. Fixei os olhos no prato e esperei pelo contraditório, como era normal. Passados uns segundos ouço uma voz, não de trovão, mas seca:
 -Não sabia que agora para estudar era preciso uma capa e batina !
Olhei de soslaio para o Zé e reparei, pela cara dele, que não iria responder mas que, de certeza, não ficaria por ali o assunto, como era costume. Quando nos cruzamos disse baixinho: -Devia ficar-te bem mas, pelos vistos, é melhor arquivares.
-Isso pensas tu, Anne. Vais ver e não esperes sentada.
 Fiz o meu raciocínio e concluí que ao dizer isto ele já tinha o problema solucionado, como era usual. Passados uns dias, estava eu e a minha mãe a por a mesa para jantarmos quando surge o Zé Maria “fardado”. – Eu fiquei estática e a minha mãe quase que deixava cair os pratos. O meu pai, que também estava por perto, olhou-o de cima para baixo, e vice-versa, mas não disse nada. À mesa, o silêncio não era o normal. Até que a minha mãe, para abrir o assunto e ao mesmo tempo dar a entender que gostou de o ver de capa e batina, disse que lhe ficava bem. Apanhando a boleia, o meu pai falou e disse:
-Andas a viver bem! Dás explicações ou andas outra vez metido nos inquéritos?
- Nem uma coisa nem outra. Pedi a farda a um colega meu para tirar uma fotografia no “Salvador”, na rua de Santa Catarina.

Fiquei de boca aberta. Olhei para a cara de todos e ri-me cá para os meus botões. Pensei: afinal não me enganei. O Zé Maria deu a volta a todos. Estou em pulgas para saber o desfecho desta história.
-Eu disse para não esperares sentada. Vamos aguardar, porque dentro de dias tenho a fotografia.
Passados uns dias ao jantar, a voz falou:
-Amanhã tens aulas à tarde?
Depois de uns segundos de espera o Zé Maria respondeu:
-Por acaso amanhã não tenho.
-Se tivesses é que me admirava. Passa amanhã por volta das 4 horas na Gentleman, disse meu pai.
Assim é a história do Zé Maria e a sua capa e batina, mas a fotografia que existe é verdadeira: a capa não é a dele, mas as outras já são a sua capa e batina, de que precisava para estudar !!!!

“Quem quer bolota trepa.”

AnneChrist

quarta-feira, 1 de junho de 2016

No consultório... doente exemplar!

Lembrei-me ,por brincadeira
De ao vir ao consultório
Em vez de estar a falar
Esta seria a maneira
De não fazer relambório.
Sinto fraqueza geral
Que não estou a achar graça
Mas o meu doutor amigo
Com seu saber genial
Vai achar que isto passa
E não estou assim tão mal


Maria Esmeralda Freitas

quarta-feira, 25 de maio de 2016

O Ambrósio perdeu o avião?!!!!





Não digo todos os dias, mas quase, continuamos a encontrar-nos na nossa Cultura. Evito dizer Universidade porque infelizmente ainda há quem olhe de esguelha ou de soslaio para nós, talvez pela idade ou por admiração, com uma exclamação interior :“como é possível?”
Mas vamos ao que interessa. Sempre conheci o Ambrósio como aquela pessoa que, por exemplo, entendia que oito horas eram oito menos dez ou oito menos cinco. Daí a minha exclamação e espanto, no bar da Cultura, quando tomávamos um cafezinho.
-Sabes Anne, começou ele, aqui há uns anitos tive de ir a Lisboa, aos mouros, e cheguei lá muito depois da hora. Tive que ligar para os avisar do meu atraso, mas sem dar justificação.
-Não estou a conhecer-te. Falhares por falta de horário? É novidade. Continua, disse eu.
-Quando acordei, olhei para o relógio e só tive tempo de tomar um chuveiro (não me perguntes se me limpei ou não), pegar na mala que já estava pronta e “zarpar”.
-Sempre o mesmo, tudo organizado com antecedência, mas falhaste, para minha admiração, disse eu.
-Entrei por aquele aeroporto a correr e encontrei dois funcionários no balcão do check-in que me viram a correr, tendo um deles ido embora. O que ficou, depois  de eu lhe mostrar o bilhete, olhou para mim e disse: “chegue aqui se faz favor”.
-Conseguiste - como dizíamos - “safar-te”?
- Qual quê, disse ele. A minha cara alegrou-se e, por já não ver ninguém no aeroporto, pensei em abraçá-lo, como prova de agradecimento. A minha face, não sei, mas deve ter mudado de cor, aspecto, eu sei lá.
-Mas afinal foste ou não? Disseste que tinhas perdido o avião, disse eu ainda.

-Não, não fui. Na parede do dito balcão, havia um quadro tipo “naif” com um avião já no ar e um passageiro com a gravata de lado, talvez efeito do vento, e a mala semiaberta com a roupa a sair, a correr atrás dele.
Sorri. - Até deve ser engraçado ver esse quadro, disse.
-Pois é engraçado, mas agora ouve: o funcionário olhou para mim apontou o dito e as respectivas legendas e disse: foi o que lhe sucedeu a si.
Fiquei de boca não digo aberta mas quase, a olhar para o Ambrósio e fui interrompida com a pergunta.
-Sabes o que dizia a legenda?.
Eu disse: “Não deixe que lhe suceda o mesmo. Esteja sempre no horário”. Sabes Anne, depois disto olhei para o lado, mas o funcionário que me pareceu ser o meu salvador, deixou-me ali só, a fixando com raiva o dito “naif”.
-E depois?
-Depois reservei no voo seguinte, que por acaso tinha lugares, deduzo eu, para os trapalhões ou os preguiçosos, como eu. Fui até ao café e, apesar das muitas voltas, dava sempre de “caras” com o dito esquema que estava por trás do balcão.
-Mas ainda não me disseste porque perdeste o avião, se não posso fazer juízos errados sobre ti, como já não sendo o que eras no antigamente.
-Eu conto. Na véspera tive um jantar em casa de uns amigos e distraí-me com as horas e talvez com o “alvarinho”. Não é meu costume, mas calhou.
Rimo-nos muito e lá fomos para a aula de literatura (...)

Ambrósio

A burra de ferro

Viana Coimbra vivia em Manaus e tinha uma filha, a Augusta, rapariga de tempera que gostava da festas  e comidas picantes. À mesa, os moleques alinhavam a taça de metal com manteiga assente em cubos de gelo e outra de vidro transparente lapidado cheio de frescas malaguetas. Trincava-as de forma provocatória, sem esgares, como se se tratasse de doces tâmaras e só parava quando o rubor ultrapassava o tolerável a uma rapariga prometida.

José, primo de Augusta, inicia em 1920, em Portugal, seu país, uma carreira promissora como empresário ligado à banca e aos transportes marítimos, o que o levou a viagens sucessivas ao Brasil, levando sempre os seus pertences e bens de mais valia,  como se de um amuleto se tratasse, numa  burra, antiga arca de ferro de família, até que, um dia, se compromete com Augusta culminando num banquete pomposo na Pensão Mericastro, na Foz.

..../.... 
Prímula Matinal
 
 

Chá





...dos picos Namuli do rio Licungo, em suma, da Zambézia.
Não é só o elixir, mas a forma de conversar à volta da mesa, criando e recriando ideias.
Além dos mares este elixir foi equiparado ao de Ceilão.
Que pena estar em vias de extinção!

I.P.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Acto de inspiração



Vem, 
Dá conta de si,
Dá fio à meada
Não pára, solta-se
Invade, domina
Surpreende em lucidez
Transcende
Abre caminho
Gira o carreto
Dá distância à linha
Alonga-se, prolonga-se
Estaca um momento
Lê tudo  por dentro
Com encanto partido
Entre a cor do momento
E o momento vivido


Prímula Matinal




quarta-feira, 4 de maio de 2016

Memória em Chapéu Feminino







“Cappa, capucho, hat, chapeau”, chapéu, peça usada para cobrir a cabeça, seja em versão casual de boina confecionada em feltro ou no modelo mais glamoroso e ousado, tal como a capeline em organdi suiço, representou um acessório diferenciador para o visual feminino, marcando o estilo e a sofisticação do momento.
                                                                             


A Galega de Castro

Cruzamentos banais


Cruzamentos banais

Naqueles cruzamentos banais
De gente a pé, na rua, 
No café preferido, no bar concorrido,  
Na marginal, 
Voei para ver 

A mãe e o menino a jogar contra o vento
Estudantes sentados a branco e a preto
Pescadores tisnados de tantos poentes

Mais além 
Namorados enleados, contentes da vida
Gaivotas dormentes no colo do rio
Pairei e pousei

Fixei o olhar 
Na sombra e no limo das pedras do cais
E aí ficaria um tempo sem hora 
Não fora passar no meio de mim
A violoncelista esgotada 
com o saco do Lidl, abandonada da pauta, 
Esquecida de si.


Levantei vôo e parti.



 Prímula Matinal




quarta-feira, 20 de abril de 2016

HISTÓRIA,ESTÓRIA XAMANISMO.VIGÁRIO VIANDAS,MINUDÊNCIAS SEMÂNTICA,REMANSO …

Quando me inscrevi numa Universidade Cultura e não Sénior, para não passar os dias só com tachos ou ferro de engomar, e Sénior fazia-me  sentir cota, velhinho ou velhote, ou então “peste grisalha”, encontrei também o Ambrósio.
Após as perguntas da praxe e às vezes inconvenientes como: “que fazes, casaste, tens filhos, netos", etc., começámos a falar dos nossos tempos de Faculdade.
Apesar da sua idade, ainda dava um ar dos seus tempos de mocidade. Não muito risonho, mas sempre com uma piadinha escondida, cabelos castanhos claros, olhos esverdeados e altura a necessária.
De mim não vou falar porque nunca mais chegaria ao fim, conforme norma do sexo oposto.
Relembramos, rimo-nos, perguntamo-nos por este ou por aquela e fiquei com a certeza, para não dizer “impressão”, de que regressámos aos nossos anos de gozo, juventude, aventura ou inconsciência programada.
Nestes momentos de saudade, aproximou-se uma colega com um bonito sorriso, que me deixou a ideia de ter sido não qualquer coisa mas, um borracho no seu tempo. – Já tinha reparado nela pelo seu riso aberto e atraente.
Quando chegou, meteu na mão dele um chocolate de marca Regina, reparei eu na marca (o chamado olhar curioso feminino) e recebeu um beijo na face.
Quando acabou a aula, ao descermos as escadas, o Ambrósio deve ter reparado no meu olhar curioso e rebateu de imediato: esta nossa colega que conheci aqui, além de simpática e bem-disposta, oferece a alguns colegas um chocolatinho; um dia numa aula, ao falarem nisso, disse por brincadeira: “isso não vejo eu”
Então voltou-se para trás e, com o seu sorriso, perguntou: também gosta de chocolates? Evidentemente,  respondi. Claro, senão, não dizia isso.
A partir daí lá tenho o meu chocolate e ela um beijo.
Um dia veio ter comigo um pouco encolhida e disse: o colega vai desculpar mas hoje não trouxe, mas tenho um rebuçadinho para si; agradeci e dei de igual o modo o meu beijo.
Quando reparei, era um dos que a Conceição tem na secretaria numa tacinha.
Aqui tens Anne a história do chocolate
Despedimo-nos com um até manhã, sem chocolates, mas com um beijo. Pelo caminho pensei: este Ambrósio continua o mesmo e o seu nome condiz com os chocolates.
regina,imperial  chocolate preto, chocolate branco  allegro, milka kit-kat, mars …



AnneChrist

Vera Cruz






O N/T Vera Cruz foi um paquete português. Pertenceu à Companhia
Colonial de Navegação (CCN), a quem serviu entre 1952 e 1973, tendo
atendido a linha do Brasil.
Foi construído nos estaleiros da Société Anonyme John Cockerill, na
Bélgica, em 1950. De concepção avançada à época, foi o primeiro
grande paquete português, uma vez que os navios de passageiros até
então, excepto o "N/T Serpa Pinto", constituíam-se em unidades mistas
de passageiros e carga.
A sua construção custou ao estaleiro 86 000 horas de trabalho e foram
utilizadas 8 mil toneladas de aço e 150 toneladas de alumínio, sendo
instalados no navio 240 quilómetros de cabos elétricos e 96 quilómetros
de encanamentos. Estiveram envolvidos na construção cerca de 1.000
técnicos e operários, que trabalharam durante 18 meses.