Entrei no autocarro, na Praça, depois
duma tarde vadia na Baixa. Escolhi um lugar na coxia, onde o sol me espreitava,
coado. Acomodei os sacos não sem incomodar o vizinho ao qual dirigi breves
palavras de circunstância. Cerrei os olhos e cochilei embalada pelo primeiro
andamento.
Ao chegar à Galiza já muita gente
entrara, e uns tantos de braço alçado nos varões, gingando os corpos em elipse
ao sabor da condução. De pé, ao meu lado, vejo um homem encorrilhado de pele,
funguento, rafado no porte e nas vestes, olhar ausente.
Nem pensar! Estou muito cansada para
dar o lugar. Finjo que durmo mas vou lançando o meu olhar pelo ângulo óptico
que, sem mover a cabeça, me permita vigiar aquele que está a entrar na minha
esfera de sossego. Permanece imóvel, ausente. Semicerro as pálpebras e quase
pronuncio zzzz, zzzzz, fazendo tempo para alguém, talvez, lhe dar o lugar.
Nada. Reabro os olhos e abarco aquele
corpo em quebranto e os meus ouvidos trazem-me em ultra som o ranger dos seus
ossos. Não aguento, seguro os sacos, levanto-me dum lance e atiro:
- O senhor não quer sentar-se?
- Não minha gentil menina, vou já
sair na próxima.
Gentil menina? Gentil menina?
dezenas de vezes voltejando. Zangada com o meu cérebro saí do bus, sem ver
ninguém desci a rua e só sosseguei quando, por fim, o denunciei ao mar.
Prímula Matinal
Sem comentários:
Enviar um comentário