quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Vil hesitação



Entrei no autocarro, na Praça, depois duma tarde vadia na Baixa. Escolhi um lugar na coxia, onde o sol me espreitava, coado. Acomodei os sacos não sem incomodar o vizinho ao qual dirigi breves palavras de circunstância. Cerrei os olhos e cochilei embalada pelo primeiro andamento.
Ao chegar à Galiza já muita gente entrara, e uns tantos de braço alçado nos varões, gingando os corpos em elipse ao sabor da condução. De pé, ao meu lado, vejo um homem encorrilhado de pele, funguento, rafado no porte e nas vestes, olhar ausente.
Nem pensar! Estou muito cansada para dar o lugar. Finjo que durmo mas vou lançando o meu olhar pelo ângulo óptico que, sem mover a cabeça, me permita vigiar aquele que está a entrar na minha esfera de sossego. Permanece imóvel, ausente. Semicerro as pálpebras e quase pronuncio zzzz, zzzzz, fazendo tempo para alguém, talvez, lhe dar o lugar.
Nada. Reabro os olhos e abarco aquele corpo em quebranto e os meus ouvidos trazem-me em ultra som o ranger dos seus ossos. Não aguento, seguro os sacos, levanto-me dum lance e atiro: 
- O senhor não quer sentar-se?
- Não minha gentil menina, vou já sair na próxima.
Gentil menina? Gentil  menina? dezenas de vezes voltejando. Zangada com o meu cérebro saí do bus, sem ver ninguém desci a rua e só sosseguei quando, por fim, o denunciei  ao mar.

Prímula Matinal

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