quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Arte Abstracta ou A Lição do Luís




Numa tarde invernosa, cheia de jogos, cabanas,  escondidas, Legos e lanches repetidos, baixei o ritmo e entreguei ao meu neto Luis as tintas de guache que o ocupariam para me deixar acabar de ler a Mrs. Dalloway.

Estava eu a tentar ler pela enésima vez, quando me interrompe de novo, mas desta, de forma irrevogável, garboso:

- Acabei o desenho. Vais adorar!

- Mostra lá a obra, rapazola, disse-lhe eu, com a última cena do  Septimus a toldar-me ainda os neurónios.

Num pedaço de cartão reciclado, este miúdo, de escassos cinco anos, apresentou a sua triunfal  ' Chegada à Ilha dos  Samurais'. Embasbacada, sem perceber o que era o quê, não consegui formular as perguntas adequadas à obra, não fora ferir o brio de tão jovem 'artista'. Perante tanta hesitação, o menino abre o jogo ' estás a ver os esconderijos? Olha, aqui no meio é onde eles guardam os alimentos; sabias que  comem muito arroz?  Estão todos  a treinar, espalhados pela montanha, aqui', dizia ele, orientando-me, com o dedo num borrão.

Perdida num labirinto colorido beringela, castanho e verde musgo, com abertas de cores mais quentes atraindo um cenário onde corajosos Samurais exibiam uma dinâmica corporal de lutadores exímios, em pleno treino de excelência , a rodopiar sobre si próprios e varrendo em círculo todo o espaço, tomei rumo e viajei nesta aventura plástica, já sem qualquer dúvida ou necessidade de explicação, e convim que, afinal, o abstrato é tangível até mesmo, ou melhor, pela mão duma criança.

Obrigada, Luís. Este vai para a galeria das nossas boas memórias.

Prímula Matinal

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