domingo, 31 de janeiro de 2016

Caixa do pó de arroz

Estavámos sentados no escano. Já tínhamos jantado. Sonolenta ia ouvindo as conversas. Lá fora continuava a nevar. A noite era dum esquecimento de escuridão. Mas cá dentro, a fogueira era quente, o colo macio e cheirava bem. Cheirava a pó de arroz o colo de minha mãe. O gato encostado a mim dormia.
A aldeia estava isolada pela neve. Ninguém se atrevia a meter-se por aqueles caminhos perigosos.
- A menina é tão pequenina, quase que o gato é do tamanho dela, dizia a empregada olhando para mim com um sorriso amigo.
Minha mãe olhava-me com ternura e eu aconchegava-me mais a ela.
E este suavíssimo bem estar acompanhava os meus primeiros anos de menina feliz.
O inverno passa, a primavera chega.
-O Jesus levou a mãezinha para o Céu, diz a minha irmã chorando.
Não acreditei. Não podia ser. O Jesus tinha a mãe dele, para quê levar a minha?
Esperei. Procurei-a por todo lado. Foram dar comigo com o nariz enfiado dentro da caixa do pó de arroz. Mas aquela caixa ingrata não soubera reter o cheiro de quem sempre lhe fora fiel.
Abafei o choro e fugi para o quarto fundeiro onde tinha os brinquedos e onde o gato sempre ia ter comigo. Mas daquela vez não foi.
Então, angustiada, confusa, sem compreender nada, senti-me duplamente traída, pelo gato e pela caixa do pó de arroz.

26/2/2016

Maria


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