quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Memórias da escola primária





O primeiro dia de escola
5. Outubro.1958

De babeiro orlado a bordado inglês, cabelo em cachos, castanho claro, irrepreensível, como os de Botticelli,  entrei na escola particular de Cadouços pela mão do meu pai. 
Subi as escadas de madeira em dois lances que agitaram, degrau a degrau, todas as fibras do meu pequeno corpo. E, ao contrário, das habituais premonições pessimistas, que, grosso modo, acabam sempre atenuadas ( tirando as idas ao dentista),  o que se me deparou transcendeu toda a minha experiência de cinco anos bem vividos entre a cidade e os campos.
Entrei.  A sala estava  repleta de carteiras corridas, de cheiro e crianças indecifráveis. O meu pai apresentou-me. Aqui está a minha rapariga.  Está na hora de aprender. E, virando-se para mim: Vá lá, porta-te bem. Dá um beijinho à Sra. D.a Alzira. Até logo. 
O impacto com aquela cara larga, pêlos loiros a sair pelos poros do buço a entrarem pelas comissuras dos lábios, um sorriso forçado a deixar ver uns dentes amarelos, espaçados, onde se deslocava uma língua cusposa, e aquela voz roufenha,  a mão gorda sapuda a tocar-me o ombro, tolheram-me os sentidos. Enfraqueceram-me as pernas e deixei-me cair sobre a cadeirinha alentejana que havia junto da mestra. Não lhe vi os olhos. Surdamente gritei pelo meu pai e, o bibe, esse, ficou todo ensopado de medo. 

.../...

Prímula Matinal 

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