O primeiro dia de escola5. Outubro.1958De babeiro orlado a bordado inglês, cabelo em cachos, castanho claro, irrepreensível, como os de Botticelli, entrei na escola particular de Cadouços pela mão do meu pai.Subi as escadas de madeira em dois lances que agitaram, degrau a degrau, todas as fibras do meu pequeno corpo. E, ao contrário, das habituais premonições pessimistas, que, grosso modo, acabam sempre atenuadas ( tirando as idas ao dentista), o que se me deparou transcendeu toda a minha experiência de cinco anos bem vividos entre a cidade e os campos.Entrei. A sala estava repleta de carteiras corridas, de cheiro e crianças indecifráveis. O meu pai apresentou-me. Aqui está a minha rapariga. Está na hora de aprender. E, virando-se para mim: Vá lá, porta-te bem. Dá um beijinho à Sra. D.a Alzira. Até logo.O impacto com aquela cara larga, pêlos loiros a sair pelos poros do buço a entrarem pelas comissuras dos lábios, um sorriso forçado a deixar ver uns dentes amarelos, espaçados, onde se deslocava uma língua cusposa, e aquela voz roufenha, a mão gorda sapuda a tocar-me o ombro, tolheram-me os sentidos. Enfraqueceram-me as pernas e deixei-me cair sobre a cadeirinha alentejana que havia junto da mestra. Não lhe vi os olhos. Surdamente gritei pelo meu pai e, o bibe, esse, ficou todo ensopado de medo..../...
Prímula Matinal
LUGAR DE MEMÓRIAS destina-se a registar e partilhar memórias, lembranças, recordações, sob a forma de textos e de imagens relevantes para os seus autores. É um arquivo que decorre do trabalho desenvolvido na oficina de Escrita e Memórias, da Universidade Douro Cultura da Foz, no ano lectivo de 2015/16. Este blog não exige a adopção do novo acordo ortográfico.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
Memórias da escola primária
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Comovente. E com pontinhas de ironia - maravilha.
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